Pesquisadores
reconhecem nova espécie de ave descoberta em Minas em 22/12/2010!
Há 16 anos, o então
estudante de biologia Marcelo Ferreira de Vasconcelos ouviu um canto de pássaro
que nunca tinha escutado. Ele estava num trabalho de campo na Serra da Piedade,
no município de Caeté, na Grande Belo Horizonte, e, ao ouvir os primeiros piados,
teve a quase certeza de que era de uma espécie diferente, visto que conhecia
bem aquele terreno e nunca tinha ouvido nada igual. Imediatamente, a chama da
curiosidade se acendeu. Fogo que durou até este ano, quando, finalmente,
conseguiu mostrar ao mundo o tapaculo-serrano. Trata-se de uma ave que
praticamente não voa: ela caminha como um rato no solo de ambientes sombrios
das grotas que entrecortam as serras mineiras.
Atualmente como professor do curso de mestrado em
zoologia da PUC Minas, em Belo Horizonte, Marcelo conta que na mesma época os
pesquisadores Bret Whitney, José Fernando Pacheco e Luís Fábio Silveira
descobriram a ave na Serra do Caraça, em Catas Altas. Todos se reuniram para
descrever a nova espécie, estudo que tomou cerca de 15 anos de pesquisas em
outras montanhas, análises genéticas, visitas a vários museus brasileiros e ao
famoso Museu Americano de História Natural, em Nova York.
"O reconhecimento pela comunidade científica
internacional de uma nova espécie é algo custoso e que demanda tempo",
explica o professor. Basicamente, é dividido em três fases: análise genética;
pesquisa de exemplares em museus e publicações; e a descrição da espécie. Nesse
meio tempo, a descoberta pode inclusive ser contestada por outros estudiosos,
como foi o caso do tapaculo-serrano. Alguns consideraram que a espécie já tinha
sido “batizada”, em 1835, pelo naturalista francês Jean Moris Edouard
Ménétriès. Porém, análises de diversos exemplares depositados em museus e das
fotografias de excelente qualidade da ave coletada por Ménétriès (hoje
depositada no Museu de Zoologia de São Petersburgo, na Rússia) mostraram que a
espécie descrita pelo francês era o tapaculo-preto (Scytalopus speluncae),
típica das montanhas mais próximas ao Oceano Atlântico.
A partir daí, e do reconhecimento de revistas
especializadas, a espécie encontrada pelos pesquisadores em Minas Gerais foi
considerada realmente nova, sendo descrita em junho na Revista Brasileira de
Ornitologia, com o nome de Scytalopus petrophilus. Marcelo Vasconcelos explica
que a denominação nasce a partir das determinações de um complicado Código
Internacional de Nomenclatura Zoológica. O nome petrophilus, do grego
"amante das pedras", refere-se ao fato de a ave viver geralmente
associada aos ambientes rochosos, típicos dos topos de montanha. O nome em
português, tapaculo-serrano, reconhece que a distribuição geográfica da espécie
está restrita às serras, da região da Mantiqueira até os arredores de
Diamantina. Ainda não há indícios de sua existência fora das montanhas de Minas
Gerais.
Diferentemente de muitas aves com cores que chamam
a atenção, o tapaculo-serrano não é vistoso e também não tem canto melodioso.
Sua coloração geral é cinzenta, com a barriga esbranquiçada e laterais do corpo
amarronzadas com barras marrom-escuras. Seu canto é monótono, consistindo de
uma série repetitiva de notas, algo como um "tién-tién-tién-tién...",
ouvido principalmente nas primeiras horas das manhãs frias e nubladas, típicas
das montanhas mineiras.
Segundo o professor Vasconcelos, não é possível
afirmar que a espécie está ameaçada de extinção porque só foi descrita
recentemente e isso ainda não foi avaliado. Diz também "que até o momento
não se sabe quantos exemplares existem, mas devem ser milhares, já que a
espécie é relativamente abundante nas serras mineiras. Ela alimenta de insetos
e ainda não se sabe sobre sua reprodução".
Importância
Vira e mexe, a mídia nos traz informações sobre
descobertas de espécies animais, vegetais ou micro-organismos, numa prova de
quanto a natureza é rica e cheia de surpresas. Uma pergunta, no entanto, se faz
necessária: qual a importância do descobrimento dessas espécies e no que,
efetivamente, elas contribuem para a ciência?
Para o professor Marcelo de Vasconcelos, que
também é da Associação Montanhas do Espinhaço, a apresentação sinaliza para um
sentido maior de preservação ambiental. "Além de despertarem interesse
para a conservação delas próprias – que podem atuar como “guarda-chuva”,
protegendo áreas que também têm outras espécies –, elas podem nos dar muitas
informações interessantes sobre a biogeografia. Exemplo: ao se encontrar uma
espécie nova que tem um parente próximo (filogeneticamente) em outra região
geográfica, pode-se levantar hipóteses que expliquem este padrão, tais como
conexões paleoambientais entre as áreas de distribuição destas espécies,
formação de barreiras geográficas, dispersão etc.", explica.
Outro professor, Marcos Rodrigues, do Departamento
de Zoologia da Universidade Federal de Minas Gerais, diz que o caso do
tapaculo-serrano mostra que muita coisa ainda está para ser descoberta. “E é
revelador que tenha sido em Minas Gerais. Na Amazônia as descobertas naquele
mundo de florestas são mais frequentes, mas aqui, ao lado de Belo Horizonte,
chama muito a atenção.” Rodrigues acrescenta que o estudo de novas espécies
permite que se analise o clima, as mudanças climáticas no passado e futuro e o
papel que elas desempenham no ecossistema em que vivem, entre outros fatores.
Ele revela que outra nova espécie, também de Minas Gerais, está para ser
anunciada. No entanto, se nega a dizer qual é, se é animal ou vegetal ou mesmo
quem está conduzindo os trabalhos. “Anunciar antes de o processo ser concluído
atrapalha seu andamento”, explica. A única dica que dá é quanto à data
prevista: "Pois é… é para quando fevereiro chegar".